Introdução
Marcelo Johnny Viana Bastos, conhecido como “Pica-Pau”, foi o líder da facção Cangaço do RN, uma organização criminosa que transformou o litoral norte potiguar em um território de medo e violência. De pequenos furtos em Maracajaú a assaltos cinematográficos a bancos e carros-fortes, sua trajetória de terror culminou em um confronto épico com as forças policiais na Operação Kratos, em julho de 2025. Após quase 24 horas de intenso tiroteio, a casa onde se escondia em Extremoz, na Grande Natal, foi reduzida a escombros, marcando o fim de um dos criminosos mais temidos do Rio Grande do Norte. Esta matéria explora os detalhes de sua ascensão, os crimes que chocaram o estado e o desfecho de sua saga, que trouxe alívio, mas também cicatrizes permanentes para a sociedade potiguar.

De Maracajaú ao Crime Organizado
Origens humildes em um paraíso turístico: Marcelo Pica-Pau nasceu por volta de 1993 em Maracajaú, um pequeno município litorâneo com cerca de 7.000 habitantes, localizado a 60 km de Natal. Conhecida por suas piscinas naturais de águas cristalinas formadas por recifes de corais, Maracajaú é um destino turístico que atrai visitantes em busca de tranquilidade. No entanto, foi nesse cenário idílico que Marcelo começou sua trajetória rumo ao crime.
Juventude marcada por escolhas perigosas: Desde a adolescência, Marcelo rejeitou as oportunidades oferecidas pela economia local, como o turismo e a pesca artesanal. Moradores relatam que ele exibia uma personalidade carismática, mas dominadora, com uma clara inclinação para a liderança. Contudo, em vez de canalizar essas qualidades para atividades lícitas, ele optou por pequenos furtos, que logo evoluíram para crimes mais graves. Seus primeiros delitos incluíam roubos de pertences em residências e comércios locais, o que rapidamente chamou a atenção de grupos criminosos da região.
Ascensão meteórica no submundo: A transição de Marcelo para o crime organizado foi marcada por uma escalada de ousadia e violência. Nos seus 20 anos, ele já era conhecido nos círculos criminosos de Maracajaú e arredores, onde começou a formar alianças com criminosos mais experientes. Sua habilidade em planejar e executar crimes com precisão o destacou, pavimentando o caminho para sua liderança no crime organizado do litoral norte.
A Criação do “Cangaço do RN”
Independência e ambição: Diferentemente de outros criminosos que se subordinavam a facções nacionais, Marcelo fundou o Cangaço do RN, mantendo uma autonomia notável mesmo com conexões ao Comando Vermelho, uma das maiores facções do Brasil. Essa independência permitiu-lhe moldar a organização segundo sua visão, priorizando o controle territorial e a maximização de lucros.
Simbolismo do nome: O nome “Cangaço do RN” foi uma escolha estratégica, evocando os cangaceiros históricos do Nordeste, que desafiavam o poder estabelecido no início do século XX. No entanto, ao contrário dos cangaceiros, que por vezes eram romantizados como figuras de resistência social, a facção de Marcelo era movida exclusivamente por interesses criminosos, como tráfico de drogas, assaltos e extorsão.
Estrutura hierárquica: O Cangaço do RN operava como uma máquina bem azeitada, com representantes em cada município do litoral norte. Esses subordinados eram responsáveis por executar ordens, coletar lucros de atividades ilícitas e manter o controle sobre territórios. A organização também contava com uma rede de informantes que monitorava as movimentações policiais, garantindo a Marcelo uma vantagem tática.
O Modus Operandi de Pica-Pau
Assaltos planejados com precisão militar: Marcelo especializou-se em ataques a bancos e carros-fortes, que combinavam planejamento meticuloso, armamento pesado e violência extrema. Cada operação era precedida por semanas de vigilância, estudando rotas, horários e vulnerabilidades dos alvos. Os assaltos eram executados com fuzis AK-47, explosivos caseiros e veículos roubados, muitas vezes em comboios para garantir o sucesso.
Violência como ferramenta de intimidação: A brutalidade era uma marca registrada de Marcelo. Vigilantes que tentavam reagir eram executados sumariamente, e testemunhas eram eliminadas para evitar delações. Essa violência calculada não visava apenas o lucro, mas também a consolidação de sua reputação como um criminoso implacável.
Estratégias adaptativas: Marcelo ajustava suas táticas conforme as forças de segurança reforçavam as defesas. Quando os bancos passaram a investir em sistemas de segurança mais robustos, ele voltou sua atenção para carros-fortes, aproveitando a vulnerabilidade das rodovias estaduais e federais. Emboscadas em trechos isolados, bloqueios de estradas e ataques em horários de baixa movimentação tornaram-se sua assinatura.
Crimes que Marcaram o Estado
1. Assalto em Touros (2019)
Em um dos primeiros grandes crimes que colocou Marcelo no radar das autoridades, sua quadrilha atacou uma agência bancária em Touros, município vizinho a Maracajaú. Por volta das 3h da manhã, cerca de 10 criminosos armados com fuzis e explosivos invadiram a agência, destruíram caixas eletrônicos e o cofre principal, subtraindo uma quantia estimada em R$ 500.000. A ação, que durou menos de 20 minutos, foi marcada por tiros disparados para o alto e grampos espalhados nas estradas para dificultar a perseguição policial. A agência ficou em escombros, e o impacto na comunidade foi imediato, com moradores relatando medo de sair às ruas. A Delegacia Especializada em Combate ao Crime Organizado (DEICOR) assumiu as investigações, que confirmaram a participação de Marcelo como líder da operação.
2. Execução no Nordestão (2024)
Em 5 de agosto de 2024, Marcelo liderou um assalto a um carro-forte no estacionamento do supermercado Nordestão, em Capim Macio, zona sul de Natal. O crime, planejado com semanas de antecedência, resultou na execução do vigilante Janielson Carvalho Correia, de 45 anos. Pai de uma menina de sete anos, Janielson era conhecido por sua dedicação e carisma. Durante o ataque, Marcelo disparou pelo menos oito tiros contra o vigilante, que tentou acionar o alarme do veículo. As imagens das câmeras de segurança, que circularam entre investigadores, mostraram a frieza do criminoso, que coordenou a retirada de R$ 800.000 enquanto ignorava o corpo de Janielson. O crime gerou protestos na Assembleia Legislativa do RN, com deputados criticando a insegurança no estado. A família de Janielson recebeu ameaças para não colaborar com a polícia, intensificando o clima de terror.
3. Feminicídio na RN-064 (2025)
Em junho de 2025, Marcelo cometeu um dos crimes mais chocantes de sua trajetória: o assassinato de Maria Bruna Pereira Assunção, uma jovem de 27 anos, durante um assalto na RN-064, entre Maxaranguape e Ceará-Mirim. Maria Bruna retornava de uma festa junina com familiares quando o veículo foi interceptado por dois carros da quadrilha. Inicialmente, o objetivo era roubar a caminhonete, mas a situação escalou quando Marcelo, segundo testemunhas, reagiu com extrema violência a uma tentativa de diálogo da vítima. A jovem, que era moradora do município de Ceará-Mirim, foi baleada na frente de sua família, incluindo crianças. Sua morte mobilizou protestos de movimentos feministas e da comunidade local, que exigiam justiça. O crime intensificou a pressão sobre as autoridades para capturar Marcelo.
Expansão e Sofisticação das Operações
Roubos milionários: Um dos assaltos mais audaciosos ocorreu em 2020 na BR-101, próximo a Rio do Fogo. Cerca de 15 criminosos, liderados por Marcelo, cercaram um carro-forte em um trecho isolado, utilizando quatro veículos roubados e fuzis de alto calibre. O ataque rendeu mais de R$ 2 milhões, que foram reinvestidos em armas e na expansão da rede criminosa. A violência desproporcional, com a execução de dois vigilantes, chocou a população e reforçou a reputação de Marcelo como uma ameaça estadual.
Rede de corrupção: A facção de Marcelo operava com o apoio de informantes infiltrados em instituições de segurança pública, fornecendo informações sobre operações policiais e rotas de carros-fortes. Essa rede de corrupção permitia que ele antecipasse ações das autoridades, mantendo-se um passo à frente.
Impacto em Maracajaú: O que antes era um destino turístico vibrante tornou-se um quartel-general informal do crime. O turismo em Maracajaú despencou, com hotéis e pousadas relatando cancelamentos em massa. Comerciantes locais eram extorquidos pela facção, que cobrava “pedágios” para permitir a operação de negócios. O clima de medo transformou a rotina dos moradores, que evitavam sair de casa à noite.
A Investigação e a Operação Kratos
Pressão da sociedade: Os crimes de Marcelo, especialmente os assassinatos de Janielson e Maria Bruna, geraram uma onda de indignação. Movimentos sociais, imprensa e autoridades federais cobraram ações enérgicas do governo estadual. A Polícia Civil, em colaboração com a Polícia Federal, intensificou as investigações, criando uma força-tarefa liderada pela DEICOR.
Mobilização sem precedentes: Em julho de 2025, a Operação Kratos foi deflagrada com a participação de mais de 100 agentes, incluindo Polícia Civil (DEPROV, DEFUR e DEICOR), Polícia Militar (BOPE e Batalhão de Choque), Polícia Rodoviária Federal e o Comando de Policiamento Aéreo (CIOPAER). O planejamento envolveu semanas de inteligência, com interceptações telefônicas e monitoramento de veículos roubados, até a localização de Marcelo em uma casa no bairro Portal do Sol, em Extremoz.
Confronto épico: Na manhã de 26 de julho de 2025, às 10h30, as forças policiais cercaram a residência onde Marcelo se escondia. Ele e dois comparsas responderam com tiros de fuzil e explosivos caseiros, transformando a casa em uma fortaleza. O confronto durou quase 24 horas, com trocas de tiros intermitentes e a evacuação de famílias vizinhas. Helicópteros sobrevoavam a área, enquanto veículos blindados bloqueavam as rotas de fuga. Tentativas de negociação, incluindo a presença da irmã de Marcelo, falharam diante de sua determinação em resistir.
O Fim de Marcelo Pica-Pau
Morte em combate: Na manhã de 27 de julho de 2025, às 8h15, Marcelo e seus dois comparsas foram neutralizados. A casa, com paredes crivadas de balas e portas destruídas por explosivos, tornou-se um símbolo do fim de sua era de terror. Seis policiais ficaram feridos, mas nenhum em estado grave, graças às posições estratégicas adotadas durante o cerco.
Tecnologia e coordenação: O sucesso da Operação Kratos deveu-se ao uso de equipamentos de ponta, como drones, sistemas de comunicação avançados e inteligência em tempo real. A mobilização conjunta de diferentes forças de segurança demonstrou a capacidade do estado em enfrentar o crime organizado.
Impacto imediato: A morte de Marcelo trouxe alívio à população, mas também expôs o custo de sua trajetória. A destruição da residência em Extremoz e as cicatrizes deixadas nas comunidades do litoral norte são testemunhos do preço pago pela sociedade.
As Vítimas Nunca Foram Apenas Números
Janielson Carvalho Correia: Vigilante de 45 anos, Janielson era um pai dedicado e profissional respeitado. Sua execução no Nordestão deixou uma filha de sete anos e uma comunidade em luto. Sua história reflete a tragédia de trabalhadores que enfrentam riscos diários para sustentar suas famílias.
Maria Bruna Pereira Assunção: Jovem de 27 anos, Maria Bruna era um símbolo de esperança em Ceará-Mirim. Sua morte brutal durante um assalto na RN-064 chocou a comunidade.
Impacto coletivo: Além das vítimas diretas, a facção de Marcelo deixou um rastro de trauma. Crianças cresceram sob o medo constante, comerciantes foram extorquidos, e o turismo, uma das principais fontes de renda do litoral norte, entrou em declínio. Famílias alteraram suas rotinas, vivendo em estado de alerta permanente.
Reflexão: As Escolhas de Marcelo
Oportunidades desperdiçadas: Maracajaú oferecia caminhos como o turismo, a pesca e o comércio, que milhares de jovens da região seguiram. Marcelo, no entanto, escolheu a criminalidade, movido por ambição e uma visão distorcida de poder.
Decisões conscientes: Cada passo de sua trajetória — de furtos a assassinatos — foi uma escolha deliberada. Sua frieza ao executar vítimas e sua insistência em expandir a violência mostram um criminoso que priorizava o terror acima de tudo.
Responsabilidade individual: Romantizar Marcelo como vítima das circunstâncias é um desserviço às suas vítimas. Ele foi o arquiteto de um império criminoso que destruiu vidas e comunidades, consciente das consequências de suas ações.
Legado e Alerta
Vitória da justiça: A Operação Kratos é um marco na luta contra o crime organizado no Rio Grande do Norte. A dedicação das forças policiais, que enfrentaram riscos extremos, reforça a importância de ações coordenadas e bem planejadas.
Memória das vítimas: Janielson, Maria Bruna e outras vítimas anônimas merecem ser lembrados como heróis do cotidiano, que enfrentaram a violência com dignidade. Suas histórias devem inspirar a sociedade a valorizar a honestidade e o trabalho árduo.
Vigilância contínua: O fim de Marcelo Pica-Pau não elimina o crime organizado, mas serve como um lembrete de que a justiça pode prevalecer. A sociedade e as instituições devem permanecer vigilantes para evitar o surgimento de novos reinados de terror.
A história de Marcelo Pica-Pau é um alerta sombrio sobre as consequências das escolhas individuais e o impacto devastador da criminalidade. Que o fim de sua trajetória marque o início de um novo capítulo de paz e justiça no Rio Grande do Norte, onde as memórias de suas vítimas sejam honradas e a esperança de dias melhores prevaleça.