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Megaoperação nos Complexos do Alemão e da Penha: Mais de 120 Mortos e Dúvidas Sobre Transparência Marcaram a Ação Mais Letal da História do Rio

Rio de Janeiro, 30 de outubro de 2025 – Uma megaoperação policial deflagrada pelo governo do Rio de Janeiro nos Complexos do Alemão e da Penha, na Zona Norte da capital, na terça-feira (28), entrou para os anais da segurança pública como a mais letal já registrada no estado. Com saldo de mais de 120 mortos – incluindo 117 suspeitos e 4 policiais –, a ação contra a cúpula do Comando Vermelho (CV) foi defendida pelas autoridades como um golpe decisivo contra o crime organizado, mas segue envolta em controvérsias, com organizações de direitos humanos e especialistas cobrando respostas sobre as circunstâncias das mortes e a preservação de provas.

Rio de Janeiro (RJ), 29/10/2025 – Dezenas de corpos são trazidos por moradores para a Praça São Lucas, na Penha, zona norte do Rio de Janeiro, após ação policial da Operação Contenção. Foto: Eusébio Gomes/TV Brasil

A operação, que mobilizou cerca de 2.500 agentes da Polícia Militar e Civil, resultou na expedição de 180 mandados de busca e apreensão e 100 de prisão – 70 no Rio e 30 no Pará. Segundo o governador Cláudio Castro (PL-RJ), a ação visava desarticular as lideranças da facção criminosa que controlavam as comunidades. “O conflito foi todo na mata. Não acredito que havia alguém passeando na mata”, afirmou Castro em coletiva de imprensa, referindo-se aos óbitos ocorridos em áreas de vegetação densa. Entre os alvos principais estava Edgar Alves de Andrade, o Doca da Penha ou Urso, de 55 anos, investigado por mais de 100 homicídios, incluindo execuções de crianças e desaparecimentos. Doca permanece foragido, e o Disque Denúncia elevou a recompensa por sua captura para R$ 100 mil.

Estratégia Policial e o “Muro do Bope”

As forças de segurança montaram o chamado “Muro do Bope”, uma tática em que equipes do Batalhão de Operações Especiais (Bope) avançaram pela Serra da Misericórdia para empurrar os criminosos em direção a uma emboscada na mata, onde outras unidades já estavam posicionadas. O secretário de Polícia Militar, Marcelo de Menezes, defendeu a manobra como essencial para conter confrontos e proteger moradores, criando um cerco entre as duas comunidades. A maior parte dos tiroteios ocorreu nessa região isolada, segundo as autoridades.

No entanto, persistem dúvidas sobre o impacto dessa estratégia no alto número de vítimas. Não há dados precisos sobre quantos dos mortos foram encurralados nessa área, nem como o “muro” contribuiu para os óbitos. Especialistas em segurança pública questionam se a operação observou integralmente as regras da ADPF 635, decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que regula ações em favelas desde abril deste ano.

Câmeras Corporais: Gravações Perdidas?

Um ponto central de controvérsia é o uso de câmeras corporais, obrigatório pela ADPF. Menezes garantiu que “todos os requisitos foram observados” e que as câmeras foram empregadas durante a ação, iniciada por volta das 3h da madrugada de terça-feira, com tropas em movimento às 5h. As baterias, com duração de cerca de 12 horas, teriam se esgotado em meio aos combates, impedindo recargas ou trocas em alguns casos, o que pode ter resultado na perda de parte das imagens.

O que ainda não foi esclarecido: quantos policiais portavam as câmeras, quantas gravações foram efetivamente produzidas e quando elas foram interrompidas. Não há cronograma para a análise ou divulgação dos vídeos, o que alimenta críticas de entidades como o Instituto de Segurança Pública e Direitos Humanos (ISD), que exigem transparência para evitar impunidade.

Corpos na Mata: Remoção por Moradores Gera Suspeitas de Fraude

As autoridades afirmam não ter tido ciência prévia da existência de corpos na mata dos complexos, onde os confrontos foram mais intensos. O secretário de Segurança Pública, Victor Santos, justificou a ausência de remoção imediata pela necessidade de preservar a vida dos agentes. No entanto, na quarta-feira (29), moradores e familiares retiraram mais de 70 corpos da vegetação no Complexo da Penha e os depositaram em uma praça próxima, impossibilitando a perícia inicial da polícia.

O procedimento padrão, segundo o secretário de Polícia Civil, Felipe Curi, envolve o acionamento da Delegacia de Homicídios e perícia antes da remoção – etapas puladas nessa situação. Curi anunciou que a 22ª DP instaurou inquérito para investigar possível fraude processual, apontando que muitos corpos foram encontrados sem coletes à prova de balas ou armas, contrastando com imagens iniciais da operação. Registros mostram pessoas transportando os corpos para vias públicas.

Perguntas pendentes incluem o número exato de corpos na mata, o processo de identificação das vítimas – especialmente de outros estados, com cruzamento de bancos de dados em andamento no Instituto Médico Legal (IML) Afrânio Peixoto – e se haverá perícia independente. Mais da metade dos 117 suspeitos mortos já passou por necropsia, e os corpos começaram a ser liberados para famílias nesta quinta-feira (30).

Prisões e Armas: Golpe no CV, Mas Cúpula Escapa

A operação resultou na prisão de mais de 80 pessoas, incluindo Thiago do Nascimento Mendes, o Belão do Quitungo, chefe regional do CV, e Nicolas Fernandes Soares, operador financeiro ligado a Doca. Curi classificou o desmantelamento como “o maior golpe já sofrido pela facção”, com lideranças abrigadas em pontos estratégicos das comunidades coordenando ações via aplicativos de mensagens, desde torturas a escalas de traficantes.

Foram apreendidas 118 armas de fogo, incluindo 91 fuzis, 26 pistolas e 1 revólver – um dos maiores arsenais confiscados em uma única ação no estado. Contudo, não se sabe se armas foram recolhidas dos corpos na mata, nem a divisão entre itens encontrados em confrontos ou abandonados.

Repercussão e o Que Vem pela Frente

Enquanto o governo estadual celebra a operação como “legal e necessária”, organizações como a Anistia Internacional e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública cobram uma investigação independente sobre as mortes, o uso excessivo de força e a situação dos moradores afetados. “A letalidade recorde exige respostas urgentes para que isso não se repita”, alertou o coordenador do ISD, Roberto Margato.

O paradeiro de Doca segue incerto, e detalhes sobre quantos mortos pertenciam à cúpula do CV – e se todos os óbitos ocorreram em confronto – aguardam confirmação via fichas criminais. Com a operação ainda fresca, o Rio de Janeiro debate os limites da segurança pública em meio à violência urbana, enquanto famílias das vítimas buscam respostas e justiça.

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